Friday, September 21, 2012

Transtornos ansiosos em todos os aspectos e uso correto dos ISRS, em especial do escitalopram


Transtornos ansiosos em todos os aspectos e uso correto dos ISRS, em especial do escitalopram
A ansiedade é uma emoção primária ou inata, com importante função adaptativa, tendo muitos mecanismos comuns com o medo.
Prof. Dr. Marcelo Feijó de MelloCRM-SP 50.766
Professor-adjunto do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo

A ansiedade é uma emoção primária ou inata, com importante função adaptativa, tendo muitos mecanismos comuns com o medo. O medo sempre se refere a algo, e a ansiedade é um comportamento e seus equivalentes fisiológicos que preparam o indivíduo para enfrentar algo potencialmente perigoso ou desconhecido.

A ansiedade surge perante tais situações, resultado de ativação da amígdala, que, por sua vez, ativa núcleos hipotalâmicos e o locus coeruleus, iniciando cascatas dos sistemas hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA) e simpático, que terminam suas ações com a produção de cortisol e adrenalina, respectivamente. Ambos os sistemas levam a uma série de modificações corporais, como alterações do fluxo sanguíneo, dos níveis pressóricos, das frequências cardíaca e respiratória, alterações metabólicas e imunológicas. Tais alterações corporais são percebidas pelo indivíduo uma vez que aferências viscerais chegam ao hipotálamo e aferências sensitivas, ao tálamo, que tornam o indivíduo alerta, na expectativa de ter uma reação ante uma situação porvir. O termo ansiedade pode se confundir na perspectiva etológica com alerta.

Como se pode ver, a ansiedade é fundamental para a sobrevivência do indivíduo, capacitando-o e preparando-o para agir adequadamente. Certos indivíduos são mais ansiosos que a média, talvez mais adaptados em circunstâncias em que essa tensão seja necessária.

A questão que nos colocamos como médicos, que tratamos de condições patológicas, é quando essa ansiedade passa a ser uma doença. Não podemos pensar nesse tema somente como uma questão quantitativa, usando como parâmetros os dados da intensidade do grau de atenção ou dos concomitantes somáticos como frequências cardíacas ou respiratórias, pois estas podem ser muito elevadas em circunstâncias extremas, como na prática de esportes de ação ou em situações de combate, que estão dentro de uma normalidade, como uma adaptação do organismo diante dessas circunstâncias. Usar como parâmetro a presença de so-frimento também pode não ser útil, pois mesmo nas condições citadas o indivíduo pode sofrer, sem ser sua reação de ansiedade considerada patológica.

O conceito de doença mental como perda da liberdade parece ser o mais adequado para definir a ansiedade patológica, quando o indivíduo perde a capacidade de optar entre as escolhas possíveis, sendo que a ansiedade surge diante dessa incapacidade de escolha. Seria patológica a ansiedade que surge diante de um medo irracional de espaços abertos, altura ou de se expor socialmente, ou que é contínua, sem conexão com situações reais, que impregna toda a vida do paciente, ou aquela que surge pela presença de pensamentos recorrentes que vêm à mente sem que o paciente queira. Ainda, a ansiedade é patológica quando surge inesperadamente e sem desencadeantes conhecidos, como no ataque de pânico.

A ansiedade é uma doença quando ocorre em um contexto psicopatológico, uma alteração qualitativa em que há uma quebra do funcionamento normal do indivíduo. A ansiedade surge como reação a essas situações psicopatológicas. Praticamente todos os quadros psiquiátricos apresentarão, de uma forma ou de outra, ansiedade patológica, do abstinente de álcool ao paciente delirante com transtorno esquizofrênico, passando por quadros como os depressivos de vários tipos e os transtornos de personalidade.

Os quadros nos quais se convencionou que a ansiedade seria o sintoma central foram, então, classificados a partir da terceira edição da classificação nosográfica americana (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - 3. ed. [DSM-III])1 e da décima edição da classificação da Organização Mundial da Saúde (Classificação Internacional de Doenças [CID-10])2 dentro do capítulo de transtornos de ansiedade. Como se pode supor, pelos mecanismos da ansiedade, haverá muitas sobreposições entre os vários transtornos ansiosos. A isso se somam os fatos de os sistemas nosológicos atuais serem baseados em fenomenologia descritiva, usando as descrições dos pacientes para fazer os diagnósticos, e também os critérios diagnósticos atuais serem constituídos por uma soma desses sintomas.

Estudos epidemiológicosconfirmam que a comorbidade entre quadros ansiosos é extremamente comum e os casos de ansiedade pura se tornam mais raros à medida que os pacientes envelhecem. Pacientes com comorbidades costumam apresentar de três a quatro diagnósticos diferentes.

A dissecção farmacológica da ansiedade, ou o modelo de progressão de sintomas realizado por Donald Klein nas décadas de 1960 a 1970, aventou a hipótese de que os ataques de pânico espontâneos levariam o indivíduo a desenvolver sintomas agorafóbicos e de evitação, favorecendo também o desenvolvimento de outras complicações, como depressão e dependência de substâncias nesses pacientes. Esse modelo serviu ao DSM-III como base da classificação dos quadros de transtorno do pânico (TP) e agorafobia, tornando obsoleta a divisão neurose/psicose, que foi abandonada. Estudos epidemiológicos posteriores5-7 mostraram que os ataques de pânico eram preditores inespecíficos para qualquer psicopatologia. A presença de ataques de pânico foi alto preditor de TP, transtorno agorafóbico, outros transtornos ansiosos, transtornos do humor e de dependência a substâncias. É notável ainda que esses indivíduos com ataques de pânico, em sua maioria (56%), desenvolverão algum tipo de doença mental posteriormente.

Outro achado com base em estudos populacionais é que no transtorno de ansiedade generalizada (TAG) a comorbidade é a regra, porém na maioria dos pacientes com grandes transtornos mentais associados a TAG, a ansiedade manifestava-se primeiro.

O conhecimento sobre os transtornos de ansiedade ainda tem muito a evoluir, porém já se conhece seu papel na etiologia dos transtornos depressivos e de dependência de substâncias, assim como sua influência decisiva na evolução e na resposta aos tratamentos existentes dos mesmos quadros.

Serotonina
Com o advento dos inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs) e sua comprovada eficácia em uma série de transtornos mentais, a serotonina passou a ter um papel de destaque não somente entre pesquisadores, mas também em meio à mídia e ao público leigo. Nos consultórios médicos, tornou-se frequente pacientes quererem saber mais a respeito desse fármaco, pedindo para que seja dosado. Infelizmente, também há aqueles que procuram ganhos por meio da serotonina.

A serotonina, ou a indolamina 5-hidroxitriptamina (5-HT), é produzida a partir do aminoácido L-triptofano. O neurotransmissor é produzido em núcleos do tronco cerebral, principalmente nas rafes dorsal e mediana, de onde partem várias eferências. Quando liberado na fenda sináptica, o neurotransmissor é recapturado de volta ao terminal pré-sináptico, onde é catabolizado em ácido 5-hidróxi-indoloacético (5-HIAA).

Vários subtipos de receptores (autorreceptores, receptores pré e pós-sinápticos) de serotonina foram descobertos nos últimos tempos; apesar de muitos ainda terem suas funções desconhecidas, presume-se que tenham relação com a ansiedade em função dos resultados clínicos dos ISRSs e de estudos de neurociência da ansiedade. A serotonina também está envolvida com a coordenação de várias funções, como impulsividade, agressividade, apetite e regulações endócrina, sexual e do humor.

Apesar do avanço desses estudos, não se pode afirmar ainda se a ansiedade está relacionada à hipo ou à hiperfunção serotoninérgica. Uma das possíveis explicações para essa questão pode estar na divisão anatômica dos dois núcleos distintos que originam cada sistema serotoninérgico, respectivamente o núcleo medial da rafe e o núcleo dorsal da rafe9, que, apesar de distintos, também trabalham em paralelo, podendo suas combinações de disfunções estarem correlacionadas com diferentes síndromes de ansiedade e depressão10. Como se pode constatar, o sistema serotoninérgico é bastante complexo, ainda mais contando com todas as suas relações com outros sistemas (noradrenérgico, dopaminérgico, gabaérgico e, mais recentemente, neuromodulador como colecistocinina). A elucidação da neurobiologia da ansiedade ainda avança, levando a esperança de tratamentos mais eficazes e tolerados pelos pacientes. Sabe-se também que o controle da ansiedade patológica está diretamente relacionado à regulação do sistema serotoninérgico, fato confirmado pela indicação como primeira escolha de ISRSs no tratamento dos vários transtornos de ansiedade. O grupo dos fármacos ISRSs também foi evoluindo com a síntese de substâncias cada vez mais seletivas e potentes em sua capacidade de recaptação da serotonina, como o escitalopram, presumindo maior eficácia e menor número de efeitos colaterais no tratamento dos transtornos ansiosos.

Transtorno do pânico (TP)
Os ataques de pânico são espontâneos, de rápido crescimento de ansiedade ou medo, e iniciam-se de forma abrupta, atingindo seu ápice em dois a dez minutos. Concomitantemente a essa emoção patológica, surge uma série de sintomas, como palpitações, falta de ar, sensação de sufocamento, dor no peito ou desconforto, náuseas, tonturas, sensação de irrealidade, medo de perder o controle, de enlouquecer, de morrer, dormência ou formigamento e calafrios ou ondas de calor.

Em geral, como são espontâneos, ocorrem sem um motivo aparente. Para efetuar o diagnóstico de TP, o paciente deve ter ataques de pânico frequentes e inesperados; com estes, desenvolve uma intensa preocupação sobre a ocorrência e as consequências deles. Algumas vezes, um único ataque de pânico bastante intenso pode levar ao desenvolvimento desse medo, apresentando posteriormente ataques de pânico frustros, que reforçam o medo antecipatório, também chamado de ansiedade antecipatória.

A ansiedade antecipatória, por sua vez, leva a uma série de comportamentos de evitação, principalmente circunstâncias nas quais os ataques de pânico ocorreram, ou seja, se o indivíduo teve um ataque dentro de um shopping center, evitará entrar nesse local, ou se o ataque ocorreu durante ou após um exercício físico, ele evitará situações que aumentem seus batimentos cardíacos. Em casos mais graves, os pacientes não conseguem sair de casa sozinhos, podendo se afastar de atividades profissionais e escolares. Nesses casos, essa evitação denomina-se agorafobia (agora = espaços abertos ou, literalmente do grego, praça).

Estudos mostram que o ataque de pânico não é um súbito aumento da ansiedade normal. No ataque de pânico, não há elevação súbita da ativação do eixo HPA, apenas um pequeno aumento pré-pânico condizente com a ansiedade antecipatória. Ainda difere da ansiedade aguda pela intensa dispneia.

Tratamento
Em 1995, um consenso de especialistas americanos indicou os ISRSs como tratamento farmacológico de escolha para o TP11, deixando os benzodiazepínicos e os antidepressivos tricíclicos como segunda opção. Posteriormente, outros grupos de especialistas confirmaram essa indicação12. A clomipramina foi um dos primeiros ISRSs a serem estudados, ainda sendo um tratamento de escolha.

Vários ISRSs como fluvoxamina, citalopram, escitalopram, sertralina, paroxetina e fluoxetina foram testados e comprovados como eficazes no tratamento do TP. Com relação à dose, a paroxetina e o escitalopram foram os únicos para os quais alguns estudos determinaram as doses ideais. A paroxetina, na dose de 40 mg ao dia, seria mais eficaz que 10 e 20 mg ao dia, porém alguns pacientes melhoram com doses menores, e outros, por sua vez, precisam de doses maiores, enquanto a dose do escitalopram deve ser de 10 a 20 mg ao dia. Cabe ao clínico chegar a essa dose ideal para cada indivíduo, balanceando a eficácia com a tolerabilidade ao medicamento. Com relação à clomipramina, a maioria dos pacientes parece responder a pequenas doses de 25 mg ao dia, havendo também aqueles que precisam de doses elevadas. Pacientes com TP parecem ser particularmente sensíveis a efeitos adversos com os ISRSs, devendo-se limitar seu uso a alguns deles. Dessa forma, recomenda-se o aumento lento e gradual desses fármacos para evitar a não adesão ao tratamento.

O escitalopram é o S-enantiômero do ISRS citalopram, com ação 30 vezes maior na bomba de recaptação da serotonina que seu R-isômero. Esta alta seletividade ao sistema serotoninérgico assim como sua alta potência na inibição da recaptação da serotonina levam a um alto poder terapêutico, confirmado por vários ensaios clínicos e na própria clínica psiquiátrica.

O escitalopram também foi bastante pesquisado nesses quadros. Sua eficácia no TP foi avaliada em um ensaio clínico, controlado (com placebo e citalopram), duplo-cego e randomizado (ECCDCR) de 10 semanas de duração. Foram incluídos 366 indivíduos com TP (segundo os critérios do DSM-IV) (128 com escitalopram, 119 com citalopram e 119 com placebo). Os dois fármacos ativos reduziram significativamente a frequência de ataques de pânico. Foi interessante notar que ambos foram muito bem tolerados, com baixas taxas de não adesão em todos os grupos (abandono por efeitos colaterais foi de 6,3% para o escitalopram, 8,4% para o citalopram e 7,6% para o placebo).

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