Thursday, October 04, 2012

Exercício físico e reabilitação cardiovascular


Exercício físico e reabilitação cardiovascular
 *Fisioterapeuta formada pela Universidade José do Rosário Vellano – Unifenas
**Fisioterapeuta mestranda em Ciência do Movimento Humano
Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC.
(Brasil)
Luisa Pereira Parreiras*
Angélica Cristiane Ovando**
luisalanna@yahoo.com.br




Introdução
    A reabilitação cardiovascular é designada como o processo de restabelecer o indivíduo com problemas cardíacos ao seu nível máximo de atividades, compatível com a capacidade funcional do seu coração (FARDY e YANOWITZ e WILSON, 2004).
    Atualmente, o treinamento físico é aceito como parte integrante do tratamento utilizado para recuperação de um indivíduo que sofreu algum tipo de doença coronariana. Há evidências científicas significativas de que a atividade física aeróbica regular reduz o risco de doença cardiovascular e de que o estímulo de vida é freqüentemente considerado um dos cinco maiores fatores de risco para doença cardiovascular (MARQUES, 2004).
    O benefício fisiológico mais importante é a melhoria da capacidade funcional. Isto significa que aumenta o limiar para sintomas como a angina de peito, a dispnéia, a fadiga e o esgotamento, e um aumento na capacidade para o trabalho (LONGO, A; FERREIRA, D.; CORREIA, M. J., 1995).
    Este trabalho tem por objetivo realizar uma revisão de literatura sobre a anatomia do sistema cardiovascular, efeitos fisiológicos dos exercícios e descrever as etapas da reabilitação cardiovascular promovida por exercícios físicos em solo.
1.     Anatomia e fisiologia do sistema cardiovascular
1.1.     Coração
    O coração é uma bomba muscular cônica envolvida por um saco fibroso – o pericárdio. Seu tamanho é associado ao tamanho e massa corporal, com dimensões que se assemelham ao punho fechado do indivíduo. Encontra-se posicionado no centro do peito, atrás da metade inferior do esterno. A maior porção do coração está à esquerda da linha que marca a metade do esterno, com o ápice encontrando-se aproximadamente a nove centímetros à esquerda no quinto espaço intercostal (FROWNFELTER e DEAN, 2004,).
    O coração é dividido em metades direita e esquerda por um septo oblíquo que se coloca verticalmente. Cada metade tem duas câmaras – o átrio, que recebe sangue das veias, e o ventrículo que ejeta sangue nas artérias (FIG. 1). A veia cava superior, veia cava inferior e as veias intrínsecas do coração depositam sangue venoso no átrio direito, que passa para o ventrículo direito. O ventrículo direito projeta o sangue nas artérias pulmonares ( que são as únicas artérias do corpo que contêm sangue desoxigenado). As veias pulmonares devolvem o sangue para o átrio esquerdo e daí para o ventrículo esquerdo. Do ventrículo esquerdo ele é ejetado na principal artéria do corpo – a aorta (FROWNFELTER e DEAN, 2004).
    Cada ventrículo tem duas valvas, uma de entrada e outra de saída que controlam a direção do fluxo do sangue pelo coração. A valva do lado direito do coração é denominada tricúspide e à esquerda, mitral ou bicúspide. As valvas de saída ou semilunares são as pulmonares e aórtica. Todas as valvas apresentam três folhetos, exceto a mitral que possui dois. Elas são formadas pela duplicação do endocárdio reforçado por tecido fibroso e por umas poucas fibras musculares (DOWNIE, 1987).
    O coração é dividido em três camadas – o epicárdio, o miocárdio e o endocárdio. A camada mais externa, o epicárdio, é um pericárdio visceral geralmente infiltrado com gordura. O sangue dos vasos coronarianos que supre o coração corre por esta camada antes de adentrar o miocárdio. O miocárdio consiste em fibras musculares cardíacas. A espessura das camadas de fibras musculares cardíacas é diretamente proporcional com a quantidade de trabalho que elas realizam. Os ventrículos trabalham mais que os átrios, e suas paredes são mais espessas. A pressão na aorta é maior que no tronco pulmonar. Isto requer um esforço maior do ventrículo esquerdo, logo suas paredes são duas vezes mais espessas que as do ventrículo direito. A camada mais interna, o endocárdio, é um fino revestimento do interior do coração (FROWNFELTER e DEAN, 2004, p. 36).

Figura 1. Anatomia do coração
Fonte: http://www.msd-brazil.com/msdbrazil
1.2.     Circulação sangüínea
    Os tipos de circulação abaixo foram descritos por Dângelo e Fattini em 1998:
  • Circulação pulmonar ou pequena circulação, tem início no ventrículo direito, de onde o sangue é bombeado para a rede de capilares dos pulmões. Depois de sofrer hematose, o sangue oxigenado retorna ao átrio esquerdo. Em síntese, é uma circulação coração-pulmão-coração (Fig. 2).
  • Circulação sistêmica ou grande circulação, tem início no ventrículo esquerdo, de onde o sangue é bombeado para a rede de capilares dos tecidos de todo organismo, e após as trocas o sangue retorna pelas veias ao átrio direito. Em resumo, é uma circulação coração-tecidos-coração (Fig. 2).
  • Circulação colateral. Normalmente existem anastomoses (comunicações) entre ramos de artérias ou de veias entre si, e variam de tamanho dependendo da região do corpo. No caso de haver uma obstrução (parcial ou total) de um vaso mais calibroso que participe da rede anastomósica, o sangue passa a circular ativamente por estas variantes, estabelecendo-se uma efetiva circulação colateral.
  • Circulação portal. A veia portal interpõe-se entre duas redes de capilares, sem passar por um órgão intermediário.
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Figura 2. Grande e Pequena Circulação
Fonte: http://agmarrazes.cce,s.pt/agmcna
1.3.     Sistema de condução
    O controle da atividade cardíaca é feito através do nervo vago (atua inibindo) e do nervo simpático (atua estimulando). De acordo com a fig. 3, estes agem sobre uma formação, situada na parede do átrio direito, o nó sino-atrial, considerado como o “marcapasso” do coração. Daí ritmicamente o impulso espalha-se ao miocárdio, resultando em contração. Este impulso chega ao nodo átrio ventricular, localizado na porção inferior do septo-atrial e propaga aos ventrículos através do feixe átrio-ventricular. Este, ao nível da porção superior do septo interventricular, emite os ramos direito e esquerdo, e assim, o estímulo alcança o miocárdio dos ventrículos. Ao conjunto destas estruturas do tecido especial é dada denominação de sistema de condução (BRAUNWALD, 1991).
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Figura 3. Atividade elétrica do coração
Fonte: http://br.geocities.com/equipecv/fisiologia/ativeletrica.htm
1.4.     Vasos sangüíneos
    Há quatro tipos principais de vasos sangüíneos: artérias, arteríolas, capilares e veias (Fig. 4). Com exceção dos capilares, os vasos sangüíneos são descritos como tendo camadas, túnica adventícia (externa), a qual consiste principalmente de tecido fibroso organizado longitudinalmente, a túnica média, ou camada média que consiste de fibras musculares lisas e de fibras elásticas dispostas circularmente, e a túnica íntima, consistindo de uma camada uniforme de células endoteliais planas sobre uma camada subendotelial formada por fibras de elastina e de colágeno (DOWNIE, 1987).
    As grandes artérias que deixam o coração, particularmente a aorta, armazenam o sangue durante a contração dos ventrículos para a distribuição quando não houver mais sangue deixando o coração. Conseqüentemente, suas paredes são finas, e contém mais tecido elástico do que tecido muscular, permitindo que elas se expandam e se retraiam (DOWNIE, 1987).
    Geralmente, as arteríolas abrem-se em uma rede capilar intercomunicante. A este nível ocorre a troca de gases e de substâncias através da parede capilar, a qual consiste de uma só camada de células endoteliais achatadas sobre uma fina membrana basal. Para exercer esta função, o leito capilar está interposto entre as artérias e veias. Entretanto, em vários locais do corpo há direta conexão entre artérias e veias pequenas, que são chamadas de anastomoses arteriovenosas. Se este vaso de conexão estiver aberto, o sangue desvia da rede capilar e se o vaso estiver fechado, o sangue flui através dos capilares. Desta maneira, ocorre a regulação do sangue. As veias transportam o sangue de volta para o coração e como as artérias, as veias são descritas tendo uma parede composta por três camadas. A diferença básica está na túnica média, que contém somente pouco tecido muscular ou elástico resultante em vasos de paredes mais finas. Estes vasos são adequados para conduzir o sangue a uma pressão muito menor (DOWNIE, 1987).
    O retorno do sangue ao coração é realizado por uma série de forças. As veias profundas correm nos planos fasciais entre grupos musculares onde elas estão sujeitas à contração e relaxamento do músculo. Isto é particularmente importante nos membros inferiores, onde as veias profundas da panturrilha encontram-se entre o sóleo e os músculos gastrocnêmicos, freqüentemente referidos como bomba muscular da perna (bomba solear). A fáscia densa, inelástica dos membros inferiores torna a bomba muscular mais eficiente. O sangue da cabeça e do pescoço é auxiliado a voltar para o coração pela força da gravidade. As alterações da pressão intratorácica e da pressão atmosférica para a pressão subatmosférica (negativa) têm efeito de sucção sobre o sangue nas veias próximas ao coração e conseqüentemente auxilia o retorno sangüíneo (NESRALTA, 1994).

vasos_sanguineos

Figura 4. Vasos sangüíneos
Fonte http://agmarrazes.ccems.pt/agmcna
1.5.    Débito cardíaco (DC)
    O DC é o volume de sangue bombeado do ventrículo direito ao ventrículo esquerdo por minuto. Os componentes do DC são o volume de ejeção (VE) e a freqüência cardíaca (FC), que é, DC = VE x FC. O volume de ejeção é a quantidade de sangue ejetado do ventrículo direito durante cada sístole ventricular ou batimento cardíaco e é determinado pela pré-carga, distensibilidade e contratilidade miocárdica e pela pós-carga (FROWNFELTER e DEAN, 2004).
1.5.1.     Pré-carga
    É o comprimento da fibra do músculo ventricular ao final da diástole antes da ejeção sistólica, e reflete o volume diastólico final do ventrículo esquerdo (VDFVE). O VDFVE é dependente do retorno venoso, do volume sangüíneo e da contração atrial esquerda. Um aumento no volume ventricular distende as fibras do miocárdio e aumenta sua força de contração (Efeito Starling) e volume ejetado (FROWNFELTER e DEAN, 2004).
1.5.2.     Pós-carga
    A pós-carga é a resistência à ejeção durante a sístole ventricular. A pós-carga do ventrículo esquerdo é determinada primariamente por quatro fatores: a capacidade de distensão da aorta, resistência vascular, prolapso da válvula aórtica e a viscosidade do sangue (FROWNFELTER e DEAN, 2004).
2.     Princípios do condicionamento cardiovascular
    Treinamento físico é o desempenho de exercício repetitivo para aumentar a capacidade de trabalho físico e para induzir condicionamento físico. Ele deve ser de considerável custo energético em relação ao nível de aptidão do indivíduo e efetuado regularmente durante um período prolongado de tempo (DELISA, 2002).
    A fim de alcançar benefícios, deve-se obedecer aos quatro princípios do condicionamento fisiológico (DELISA, 2002).
Princípio da sobrecarga
    Um exercício, para ser eficaz em aumentar o condicionamento, precisa ser a um nível de trabalho maior do que aquele no qual o indivíduo usualmente desempenha.
Princípio da especificidade
    Cada tipo de exercício produz uma adaptação metabólica e fisiológica específica que resulta em um efeito específico de treinamento. Todos estes tipos de treinamento são importantes em reabilitação para melhorar o desempenho nas atividades de vida diárias e relacionado ao trabalho.
Variação individual
    O treinamento deve ser individualizado de acordo com as capacidades e necessidades da pessoa.
Reversibilidade
    Os efeitos benéficos do treinamento não são permanentes. As melhoras atingidas começam a desaparecer apenas duas semanas depois da cessação do exercício, e a metade dos ganhos pode ser perdida em apenas 5 semanas.
3.     Efeitos fisiológicos do exercício
    Segundo Longo et al (1995), os efeitos fisiológicos do exercício físico podem ser classificados em agudos imediatos, agudos tardios e crônicos. Os efeitos agudos, também denominados respostas, são aqueles que acontecem em associação direta com a sessão de exercício e, os efeitos agudos imediatos, os que ocorrem nos períodos pré e pós-imediato do exercício físico e podem ser exemplificados pelos aumentos de freqüência cardíaca (FC), ventilação pulmonar e sudorese, habitualmente associados ao esforço. Por outro lado, os efeitos agudos tardios são observados ao longo das primeiras 24 horas que se seguem a uma sessão de exercício e podem ser identificados na discreta redução dos níveis tensionais, especialmente nos hipertensos, e no aumento do número de receptores de insulina nas membranas das células musculares. Por último, os efeitos crônicos, também denominados adaptações, são aqueles que resultam da exposição freqüente e regular às sessões de exercício, representando os aspectos morfofuncionais que diferenciam um indivíduo fisicamente treinado de um outro sedentário. Dentre os achados mais comuns dos efeitos crônicos do exercício físico estão a hipertrofia muscular, melhora da aptidão cárdio-pulmonar e o aumento do consumo máximo de oxigênio.
    A atividade física aumenta a capacidade funcional e reduz a demanda de oxigênio pelo miocárdio, diminui a pressão sistólica e diastólica, altera favoravelmente o metabolismo de lipídios e carboidratos. Aumenta a performance física, o limiar da angina em pacientes com doença arterial coronariana sintomáticos e melhora a perfusão miocárdica. Na reabilitação cardíaca de pacientes com doença arterial coronariana, a melhora da perfusão miocárdica tem sido atribuída pela mediação do treinamento com exercício físico na correção da disfunção endotelial coronária (NERY e BARBISAN e MAHMUD, 2007).
    O aumento da perfusão na microcirculação coronariana deve-se ao recrutamento de vasos colaterais durante o exercício (NERY e BARBISAN e MAHMUD, 2007).
4.     Objetivos da reabilitação cardiovascular
    O maior objetivo de um programa de reabilitação cardiovascular amplo é o alcance de uma condição de saúde ótima para cada paciente. Assim como a manutenção dessa condição não somente física e psicológica, mas também social, vocacional e econômica (MARQUES, 2004).
    Os objetivos mais específicos de uma reabilitação cardiovascular incluem tratamento eficiente e efetivo dos sintomas e modificação dos fatores de risco cardíaco, para prevenir o início e progressão da doença cardíaca tanto quanto possível (PRYOR e WEBBER, 1998).
    A chave para conseguir resultados benéficos dos exercícios nos vários sistemas do organismo é o planejamento e implementação de um programa de exercício aeróbico em termos de intensidade, duração e freqüência. O treinamento aeróbico deve proporcionar uma sobrecarga cardiovascular suficientemente capaz de estimular aumentos no volume de ejeção e no débito cardíaco. Essa sobrecarga circulatória central deve ser realizada exercitando os grupos musculares específicos para determinado desporto de forma a aprimorar sua circulação local e seu maquinismo metabólico (O’SULLIVAN e SCHMITZ, 1993).
5.     Descrição e fases
    A reabilitação cardiovascular está, tradicionalmente, dividida em diversas fases, seqüenciadas como FASE I, FASE II e FASES III e IV (MARQUES, 2004).
5.1.     Fase I
    Inclui os exercícios para o paciente internado, que se inicia assim que as condições do paciente tenham sido estabilizadas. O médico responsável deve indicar o melhor momento para iniciar essa fase. Os pacientes são encorajados a movimentar seus membros inferiores e alimentar-se sozinhos com o objetivo de diminuir a estase venosa (MARQUES, 2004).
    Exercícios de baixa intensidade durante a internação hospitalar tem-se mostrado seguros, praticáveis e benéficos, embora não seja observada nenhuma melhora na aptidão cardiovascular com atividades de baixa intensidade (FARDY e YANOWITZ e WILSON, 2004).
    Antes de iniciar um nível mais elevado, o paciente é examinado, mensurando-se a freqüência cardíaca, a pressão arterial, realizando eletrocardiograma e avaliando as limitações músculo-articulares, tonteira, aparência e sintomas (MARQUES, 2004).
    Os objetivos dessa fase incluem reduzir o tempo de permanência hospitalar e diminuir os problemas de descondicionamento associados com o repouso prolongado no leito, como atrofia muscular, hipotensão postural e deterioração circulatória geral (FARDY e YANOWITZ e WILSON, 2004).
5.2.     Fase II
    É um programa de exercícios supervisionado baseado em uma prescrição individualizada, especificando intensidade, duração, freqüência e estilo de atividade. O manuseio e as modificações do estilo de vida devem acompanhar a atividade física, sendo assim, um processo contínuo (MARQUES, 2004).
    Os objetivos dessa fase incluem (FARDY e YANOWITZ e WILSON, 2004):
  • Melhorar a função cardiovascular, a capacidade física de trabalho, força, e flexibilidade;
  • Detectar arritmias e outras alterações durante o exercício que contra indiquem a atividade física;
  • Educar os pacientes quanto a atividade física;
  • Trabalhar com o paciente e seus familiares em um programa adequado de manuseio e modificações do estilo de vida;
  • Melhorar o perfil psicológico dos pacientes
5.2.1.     Prova de esforço máximo limitada por sintomas
    É uma avaliação eletrocardiograficamente monitorizada do consumo máximo de oxigênio de uma pessoa durante trabalho dinâmico (exercício), utilizando grandes grupos musculares. A prova começa com esforço submáximo, dá tempo para adaptações fisiológicas e aumenta progressivamente a carga de trabalho, até que sejam determinados pontos finais de fadiga individualmente determinados ou ocorram sinais ou sintomas limitantes (IRWIN e TECKLIN, 1994).
    Segundo Kappert (1978), essa prova é talvez a avaliação mais definitiva para um paciente antes de entrar em um programa de reabilitação cardíaca. É utilizada na previsão da gravidade da doença. A prova fornece dados importantes na hora de prescrever o plano de reabilitação, porque fornece parte dos dados úteis para a decisão sobre a freqüência das atividades.
5.2.2.     Intensidade
    A intensidade do exercício prescrito tem base nos resultados do teste de esforço. Uma intensidade de treinamento adequada cai dentro de 60 a 80 por cento da absorção máxima de oxigênio pelo paciente, ou da capacidade de trabalho físico (ARAKAKI e MAGALHÃES, 1996).
5.2.3.     Duração
    As sessões de tratamento deverão ter duração total de aproximadamente uma hora e deverão ser realizadas três vezes por semana, em dias alternados (REGENGA, 2000).
5.2.4.     Freqüência
    A freqüência, em parte, é também dependente da intensidade e da duração. São recomendadas três a cinco sessões de exercícios (regularmente espaçadas) por semana. A prescrição do exercício é baseada em atividades físicas com gastos energéticos conhecidos que ficam dentro da capacidade do paciente, determinado pelo teste de esforço máximo (IRWIN e TECKLIN, 1994).
5.2.5.     Etapas de tratamento
    O programa de treinamento físico envolve três etapas, sendo uma de aquecimento, outra de treinamento e uma outra de desaquecimento. Deve-se fazer um registro diário do programa, das respostas de freqüência cardíaca e pressão arterial e dos sinais e sintomas apresentados durante as sessões de tratamento (REGENGA, 2000).
    Após a chegada do paciente ao setor, deverão ser aferidos e registrados os valores pressóricos e de freqüência cardíaca antes da sessão de atendimento. Isso é necessário pois, a partir de um certo período, se pode traçar o perfil de cada paciente, o que permite modificar ou não o protocolo de tratamento previsto, caso percebida alguma alteração da freqüência cardíaca e pressão arterial anteriormente à sessão (REGENGA, 2000).
Aquecimento
    Deverá ter duração de 5 a 10 min, sendo efetuados exercícios de alongamento, dinâmicos aeróbios e de coordenação, associados a exercícios respiratórios. Essa fase tem por objetivo preparar os sistemas musculoesquelético e cardiorrespiratório para a fase de condicionamento propriamente dito. No final, afere-se freqüência cardíaca do paciente (REGENGA, 2000).
    Segundo Oliveira, et al (2002) o aquecimento tem como principais efeitos fisiológicos: promover o aumento da temperatura corporal, proporcionando um maior relaxamento do tecido colágeno, que é o principal componente do tecido conectivo muscular, diminuindo assim os riscos de lesão; diminuir as concentrações de lactato sangüíneo e aumentar o fluxo sangüíneo local, afim de oxigenar os músculos e também remover mais rápido os elementos catabólicos formados pelo metabolismo celular.
Condicionamento
    Tem como objetivo exercitar o paciente a uma freqüência cardíaca programada a fim de obter efeito de treinamento. A intensidade do esforço deve ser aumentada gradualmente até o nível de treino programado. Os exercícios aeróbicos, rítmicos e dinâmicos são enfatizados e planejados de maneira a exercitar os grupos musculares das extremidades superiores e inferiores (MARQUES, 2004).
    Essa etapa poderá ser composta por trotes, caminhadas ou outra modalidade de exercício físico em bicicleta e esteira ergométrica ou em outro tipo de equipamento que permita aferir freqüência cardíaca e pressão arterial sistêmica durante sua realização. A duração total varia até cerca de 40 min (REGENGA, 2000).
Desaquecimento e relaxamento
    A atividade física deve ser mantida com baixa intensidade de esforço, mantendo em atividade particularmente os músculos mais trabalhados durante a sessão, para facilitar a remoção do ácido láctico (produto do metabolismo) desses músculos e beneficiar a circulação sistêmica através de um massageamento. Deve-se manter um débito cardíaco adequado através do aumento do retorno venoso pela ação de massageamento das veias através da contração e relaxamento muscular (MARQUES, 2004).
    Quando exercícios intensos são subitamente interrompidos, principalmente se o indivíduo permanece de pé, há uma tendência do sangue em estasiar nos membros inferiores, resultando em uma diminuição do retorno venoso ao coração. Em conseqüência disso há elevação da freqüência cardíaca e aumento da demanda miocárdica de oxigênio. Hipotensão arterial, hipofluxo cerebral com cefaléia, tonteira ou desmaio também podem ocorrer como conseqüência (FARDY e YANOWITZ e WILSON, 2004).
    Os exercícios de relaxamento podem ser realizados no final do desaquecimento, e reduzir a freqüência cardíaca, a pressão arterial e a incidência de arritmias cardíacas (MARQUES, 2004).
    Se o paciente apresentar hipertensão arterial logo à chegada, deverão ser aplicados somente exercícios de relaxamento por um período de maior duração. Se o quadro persistir, ele deverá ser encaminhado ao médico antes da próxima sessão (REGENGA, 2000).
5.3.     Fase III e IV
    São programas a longo prazo que enfocam a aptidão física e manutenção do ganho funcional. Após o término bem sucedido da fase II, o paciente passa para a III, que pode ser realizada em casa, clínicas especializadas, programas comunitários ou em outro local com supervisão. Durante a fase III a prescrição de exercícios deve ser revista periodicamente, incorporando os ganhos obtidos (MARQUES, 2004).
    Em contraste, a fase IV é geralmente considerada um programa de manutenção, quando a maioria dos parâmetros físicos e fisiológicos estão estagnados. Representa um compromisso com a prática regular de atividade física e controle do estilo de vida, construindo hábitos que necessitam ser levados para toda a vida. Esta fase é também apropriada para indivíduos sedentários sem doença cardíaca, cujo objetivo é melhorar a aptidão física e prevenir problemas de saúde associados à inatividade física. Para estes indivíduos, a fase IV destaca primeiro os ganhos funcionais, o condicionamento e a sua manutenção posteriormente (MARQUES, 2004).
    As duas fases apresentam como objetivos (FARDY e YANOWITZ e WILSON, 2004):
  • Melhorar o condicionamento físico seguido de manutenção
  • Reduzir fatores de risco de doenças coronarianas
  • Aumentar a auto-estima e a confiança quando novas atividades são introduzidas e quando o paciente for adaptado progressivamente fora do ambiente de supervisão
  • Introduzir atividades seguras e diversificadas que possam ser realizadas pelos métodos usuais de aptidão e recreação
  • Melhorar o conhecimento da habilidade de auto monitorizar
6.    Considerações finais
    Não há duvidas que o exercício físico melhora a qualidade de vida, por trazer conseqüências físicas e psíquicas. Previne doenças, otimiza o condicionamento físico e as funções cardíaca e muscular. Por outro lado, é muito importante especialmente para pacientes cardíacos, porque além dos benefícios cardiovasculares diretos, a atividade física alivia a ansiedade o sentimento de desamparo.
    Um programa de reabilitação cardíaca eficaz e seguro precisa ser fundamentado na avaliação contínua e objetiva de suas respostas. Cada alteração no programa de exercício do paciente precisa ser baseada em uma detalhada avaliação objetiva. A chave para conseguir resultados benéficos dos exercícios nos vários sistemas do organismo é o planejamento e implementação de um programa de exercício aeróbico em termos da intensidade, duração e freqüência. O treinamento aeróbico deve proporcionar uma sobrecarga cardiovascular suficientemente capaz de estimular aumentos no volume de ejeção e no débito cardíaco. Essa sobrecarga circulatória central deve ser realizada exercitando os grupos musculares específicos para determinado desporto de forma a aprimorar sua circulação local e seu maquinismo metabólico.
    O exercício atua diminuindo a progressão da aterosclerose coronariana através da redução dos fatores de risco; melhora o equilíbrio entre o suprimento e a demanda de oxigênio miocárdico em parte como resultado do aumento da circulação colateral; diminuição da tendência a formar trombos coronarianos devido ao aumento da atividade fibrolítica e diminui o tônus vasomotor coronariano resultando em menor tendência para espasmo.
Referências bibliográficas
  • ARAKAKI, H.; MAGALHÃES, H. M. Programas Supervisionados em Reabilitação Cardiovascular – Abordagem de Prescrição de Exercício. Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo. São Paulo: v.6, n.1, p.23-30, jan-fev. 1996, 111-124 p.
  • BRAUNWALD, E. Tratado de Medicina Cardiovascular. 3ª ed. São Paulo: Roca, 1991. p. 354
  • DÂNGELO, J. G.; FATTINI, C. A. Tratado de Anatomia Humana Sistêmica e Segmentar para Estudantes de Medicina. 2ª ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 1998. p. 132
  • DELISA, J. A. et al. Tratado de Medicina de Reabilitação: Princípios e Prática. 3ª ed. São Paulo: Manole. 2002 1418 p.
  • DOWNIE, P. A. Fisioterapia nas Enfermidades Cardíacas, Torácicas e vasculares. 3ª ed. São Paulo: Panamericanas, 1987. p. 102
  • FARDY, P. S.; YANOWITZ, F. G.; WILSON, P. K. Reabilitação Cardiovascular: Aptidão Física do Adulto e Teste de Esforço. Rio de Janeiro: Revinter, 1998 287 p.
  • FROWNFELTER, D. ; DEAN, E. Fisioterapia Cardiopulmonar: Princípios e Prática. 3ª ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2004. 10-37 p.
  • IRWIN, S.; TECKLIN, J. S. Fisioterapia Cardiopulmonar. 2ª ed. São Paulo: Manole, 1994. 50-160 p.
  • LONGO, A; FERREIRA, D.; CORREIA, M. J. Variabilidade da Freqüência Cardíaca. Revista Portuguesa de Cardiologia. v.14, n.3, 1995. 241-262 p.
  • MARQUES, Karine da Silva. A Interação dos Profissionais de Educação Física e Fisioterapia na Reabilitação Cardiovascular. 2004. 61 f. Universidade Federal de Santa Catarina.
  • NERY, R. M.; BARBISAN, J. N.; MAHMUD, M. I. Influência da Prática da Atividade Física no Resultado da Cirurgia de Revascularização Miocárdica. Rev. Bras. Cir. Cardiovasc., p. 297-302, 2007.
  • NESRALTA, I. Cardiologia Cirúrgica: Perspectiva para o Ano 2000. São Paulo: Byk, 1994. p. 243
  • OLIVEIRA, A. L. B.; VANDERLEI, L. C. M. A Importância da Fase de Aquecimento em Programas Ambulatoriais de Exercícios Físicos para Pacientes Cardíacos. Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo. v.12, n.5. Supl a Set/out, 2002. 184 p.
  • O’SULLIVAN, S. B.; SCHMITZ, T. J. Fisioterapia: Avaliação e Tratamento. 2ª ed, São Paulo: Manole, 1993. 110-120 p.
  • PRYOR, J. A.; WEBBER, B. A. Fisioterapia para Problemas Respiratórios e Cardíacos. 2ª ed, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. 276 p.
  • REGENGA, M. M. Fisioterapia em Cardiologia: Da U.T.I. à Reabilitação. São Paulo: Roca, 2000. 292 p.

Friday, September 21, 2012

Transtornos ansiosos em todos os aspectos e uso correto dos ISRS, em especial do escitalopram


Transtornos ansiosos em todos os aspectos e uso correto dos ISRS, em especial do escitalopram
A ansiedade é uma emoção primária ou inata, com importante função adaptativa, tendo muitos mecanismos comuns com o medo.
Prof. Dr. Marcelo Feijó de MelloCRM-SP 50.766
Professor-adjunto do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo

A ansiedade é uma emoção primária ou inata, com importante função adaptativa, tendo muitos mecanismos comuns com o medo. O medo sempre se refere a algo, e a ansiedade é um comportamento e seus equivalentes fisiológicos que preparam o indivíduo para enfrentar algo potencialmente perigoso ou desconhecido.

A ansiedade surge perante tais situações, resultado de ativação da amígdala, que, por sua vez, ativa núcleos hipotalâmicos e o locus coeruleus, iniciando cascatas dos sistemas hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA) e simpático, que terminam suas ações com a produção de cortisol e adrenalina, respectivamente. Ambos os sistemas levam a uma série de modificações corporais, como alterações do fluxo sanguíneo, dos níveis pressóricos, das frequências cardíaca e respiratória, alterações metabólicas e imunológicas. Tais alterações corporais são percebidas pelo indivíduo uma vez que aferências viscerais chegam ao hipotálamo e aferências sensitivas, ao tálamo, que tornam o indivíduo alerta, na expectativa de ter uma reação ante uma situação porvir. O termo ansiedade pode se confundir na perspectiva etológica com alerta.

Como se pode ver, a ansiedade é fundamental para a sobrevivência do indivíduo, capacitando-o e preparando-o para agir adequadamente. Certos indivíduos são mais ansiosos que a média, talvez mais adaptados em circunstâncias em que essa tensão seja necessária.

A questão que nos colocamos como médicos, que tratamos de condições patológicas, é quando essa ansiedade passa a ser uma doença. Não podemos pensar nesse tema somente como uma questão quantitativa, usando como parâmetros os dados da intensidade do grau de atenção ou dos concomitantes somáticos como frequências cardíacas ou respiratórias, pois estas podem ser muito elevadas em circunstâncias extremas, como na prática de esportes de ação ou em situações de combate, que estão dentro de uma normalidade, como uma adaptação do organismo diante dessas circunstâncias. Usar como parâmetro a presença de so-frimento também pode não ser útil, pois mesmo nas condições citadas o indivíduo pode sofrer, sem ser sua reação de ansiedade considerada patológica.

O conceito de doença mental como perda da liberdade parece ser o mais adequado para definir a ansiedade patológica, quando o indivíduo perde a capacidade de optar entre as escolhas possíveis, sendo que a ansiedade surge diante dessa incapacidade de escolha. Seria patológica a ansiedade que surge diante de um medo irracional de espaços abertos, altura ou de se expor socialmente, ou que é contínua, sem conexão com situações reais, que impregna toda a vida do paciente, ou aquela que surge pela presença de pensamentos recorrentes que vêm à mente sem que o paciente queira. Ainda, a ansiedade é patológica quando surge inesperadamente e sem desencadeantes conhecidos, como no ataque de pânico.

A ansiedade é uma doença quando ocorre em um contexto psicopatológico, uma alteração qualitativa em que há uma quebra do funcionamento normal do indivíduo. A ansiedade surge como reação a essas situações psicopatológicas. Praticamente todos os quadros psiquiátricos apresentarão, de uma forma ou de outra, ansiedade patológica, do abstinente de álcool ao paciente delirante com transtorno esquizofrênico, passando por quadros como os depressivos de vários tipos e os transtornos de personalidade.

Os quadros nos quais se convencionou que a ansiedade seria o sintoma central foram, então, classificados a partir da terceira edição da classificação nosográfica americana (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - 3. ed. [DSM-III])1 e da décima edição da classificação da Organização Mundial da Saúde (Classificação Internacional de Doenças [CID-10])2 dentro do capítulo de transtornos de ansiedade. Como se pode supor, pelos mecanismos da ansiedade, haverá muitas sobreposições entre os vários transtornos ansiosos. A isso se somam os fatos de os sistemas nosológicos atuais serem baseados em fenomenologia descritiva, usando as descrições dos pacientes para fazer os diagnósticos, e também os critérios diagnósticos atuais serem constituídos por uma soma desses sintomas.

Estudos epidemiológicosconfirmam que a comorbidade entre quadros ansiosos é extremamente comum e os casos de ansiedade pura se tornam mais raros à medida que os pacientes envelhecem. Pacientes com comorbidades costumam apresentar de três a quatro diagnósticos diferentes.

A dissecção farmacológica da ansiedade, ou o modelo de progressão de sintomas realizado por Donald Klein nas décadas de 1960 a 1970, aventou a hipótese de que os ataques de pânico espontâneos levariam o indivíduo a desenvolver sintomas agorafóbicos e de evitação, favorecendo também o desenvolvimento de outras complicações, como depressão e dependência de substâncias nesses pacientes. Esse modelo serviu ao DSM-III como base da classificação dos quadros de transtorno do pânico (TP) e agorafobia, tornando obsoleta a divisão neurose/psicose, que foi abandonada. Estudos epidemiológicos posteriores5-7 mostraram que os ataques de pânico eram preditores inespecíficos para qualquer psicopatologia. A presença de ataques de pânico foi alto preditor de TP, transtorno agorafóbico, outros transtornos ansiosos, transtornos do humor e de dependência a substâncias. É notável ainda que esses indivíduos com ataques de pânico, em sua maioria (56%), desenvolverão algum tipo de doença mental posteriormente.

Outro achado com base em estudos populacionais é que no transtorno de ansiedade generalizada (TAG) a comorbidade é a regra, porém na maioria dos pacientes com grandes transtornos mentais associados a TAG, a ansiedade manifestava-se primeiro.

O conhecimento sobre os transtornos de ansiedade ainda tem muito a evoluir, porém já se conhece seu papel na etiologia dos transtornos depressivos e de dependência de substâncias, assim como sua influência decisiva na evolução e na resposta aos tratamentos existentes dos mesmos quadros.

Serotonina
Com o advento dos inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs) e sua comprovada eficácia em uma série de transtornos mentais, a serotonina passou a ter um papel de destaque não somente entre pesquisadores, mas também em meio à mídia e ao público leigo. Nos consultórios médicos, tornou-se frequente pacientes quererem saber mais a respeito desse fármaco, pedindo para que seja dosado. Infelizmente, também há aqueles que procuram ganhos por meio da serotonina.

A serotonina, ou a indolamina 5-hidroxitriptamina (5-HT), é produzida a partir do aminoácido L-triptofano. O neurotransmissor é produzido em núcleos do tronco cerebral, principalmente nas rafes dorsal e mediana, de onde partem várias eferências. Quando liberado na fenda sináptica, o neurotransmissor é recapturado de volta ao terminal pré-sináptico, onde é catabolizado em ácido 5-hidróxi-indoloacético (5-HIAA).

Vários subtipos de receptores (autorreceptores, receptores pré e pós-sinápticos) de serotonina foram descobertos nos últimos tempos; apesar de muitos ainda terem suas funções desconhecidas, presume-se que tenham relação com a ansiedade em função dos resultados clínicos dos ISRSs e de estudos de neurociência da ansiedade. A serotonina também está envolvida com a coordenação de várias funções, como impulsividade, agressividade, apetite e regulações endócrina, sexual e do humor.

Apesar do avanço desses estudos, não se pode afirmar ainda se a ansiedade está relacionada à hipo ou à hiperfunção serotoninérgica. Uma das possíveis explicações para essa questão pode estar na divisão anatômica dos dois núcleos distintos que originam cada sistema serotoninérgico, respectivamente o núcleo medial da rafe e o núcleo dorsal da rafe9, que, apesar de distintos, também trabalham em paralelo, podendo suas combinações de disfunções estarem correlacionadas com diferentes síndromes de ansiedade e depressão10. Como se pode constatar, o sistema serotoninérgico é bastante complexo, ainda mais contando com todas as suas relações com outros sistemas (noradrenérgico, dopaminérgico, gabaérgico e, mais recentemente, neuromodulador como colecistocinina). A elucidação da neurobiologia da ansiedade ainda avança, levando a esperança de tratamentos mais eficazes e tolerados pelos pacientes. Sabe-se também que o controle da ansiedade patológica está diretamente relacionado à regulação do sistema serotoninérgico, fato confirmado pela indicação como primeira escolha de ISRSs no tratamento dos vários transtornos de ansiedade. O grupo dos fármacos ISRSs também foi evoluindo com a síntese de substâncias cada vez mais seletivas e potentes em sua capacidade de recaptação da serotonina, como o escitalopram, presumindo maior eficácia e menor número de efeitos colaterais no tratamento dos transtornos ansiosos.

Transtorno do pânico (TP)
Os ataques de pânico são espontâneos, de rápido crescimento de ansiedade ou medo, e iniciam-se de forma abrupta, atingindo seu ápice em dois a dez minutos. Concomitantemente a essa emoção patológica, surge uma série de sintomas, como palpitações, falta de ar, sensação de sufocamento, dor no peito ou desconforto, náuseas, tonturas, sensação de irrealidade, medo de perder o controle, de enlouquecer, de morrer, dormência ou formigamento e calafrios ou ondas de calor.

Em geral, como são espontâneos, ocorrem sem um motivo aparente. Para efetuar o diagnóstico de TP, o paciente deve ter ataques de pânico frequentes e inesperados; com estes, desenvolve uma intensa preocupação sobre a ocorrência e as consequências deles. Algumas vezes, um único ataque de pânico bastante intenso pode levar ao desenvolvimento desse medo, apresentando posteriormente ataques de pânico frustros, que reforçam o medo antecipatório, também chamado de ansiedade antecipatória.

A ansiedade antecipatória, por sua vez, leva a uma série de comportamentos de evitação, principalmente circunstâncias nas quais os ataques de pânico ocorreram, ou seja, se o indivíduo teve um ataque dentro de um shopping center, evitará entrar nesse local, ou se o ataque ocorreu durante ou após um exercício físico, ele evitará situações que aumentem seus batimentos cardíacos. Em casos mais graves, os pacientes não conseguem sair de casa sozinhos, podendo se afastar de atividades profissionais e escolares. Nesses casos, essa evitação denomina-se agorafobia (agora = espaços abertos ou, literalmente do grego, praça).

Estudos mostram que o ataque de pânico não é um súbito aumento da ansiedade normal. No ataque de pânico, não há elevação súbita da ativação do eixo HPA, apenas um pequeno aumento pré-pânico condizente com a ansiedade antecipatória. Ainda difere da ansiedade aguda pela intensa dispneia.

Tratamento
Em 1995, um consenso de especialistas americanos indicou os ISRSs como tratamento farmacológico de escolha para o TP11, deixando os benzodiazepínicos e os antidepressivos tricíclicos como segunda opção. Posteriormente, outros grupos de especialistas confirmaram essa indicação12. A clomipramina foi um dos primeiros ISRSs a serem estudados, ainda sendo um tratamento de escolha.

Vários ISRSs como fluvoxamina, citalopram, escitalopram, sertralina, paroxetina e fluoxetina foram testados e comprovados como eficazes no tratamento do TP. Com relação à dose, a paroxetina e o escitalopram foram os únicos para os quais alguns estudos determinaram as doses ideais. A paroxetina, na dose de 40 mg ao dia, seria mais eficaz que 10 e 20 mg ao dia, porém alguns pacientes melhoram com doses menores, e outros, por sua vez, precisam de doses maiores, enquanto a dose do escitalopram deve ser de 10 a 20 mg ao dia. Cabe ao clínico chegar a essa dose ideal para cada indivíduo, balanceando a eficácia com a tolerabilidade ao medicamento. Com relação à clomipramina, a maioria dos pacientes parece responder a pequenas doses de 25 mg ao dia, havendo também aqueles que precisam de doses elevadas. Pacientes com TP parecem ser particularmente sensíveis a efeitos adversos com os ISRSs, devendo-se limitar seu uso a alguns deles. Dessa forma, recomenda-se o aumento lento e gradual desses fármacos para evitar a não adesão ao tratamento.

O escitalopram é o S-enantiômero do ISRS citalopram, com ação 30 vezes maior na bomba de recaptação da serotonina que seu R-isômero. Esta alta seletividade ao sistema serotoninérgico assim como sua alta potência na inibição da recaptação da serotonina levam a um alto poder terapêutico, confirmado por vários ensaios clínicos e na própria clínica psiquiátrica.

O escitalopram também foi bastante pesquisado nesses quadros. Sua eficácia no TP foi avaliada em um ensaio clínico, controlado (com placebo e citalopram), duplo-cego e randomizado (ECCDCR) de 10 semanas de duração. Foram incluídos 366 indivíduos com TP (segundo os critérios do DSM-IV) (128 com escitalopram, 119 com citalopram e 119 com placebo). Os dois fármacos ativos reduziram significativamente a frequência de ataques de pânico. Foi interessante notar que ambos foram muito bem tolerados, com baixas taxas de não adesão em todos os grupos (abandono por efeitos colaterais foi de 6,3% para o escitalopram, 8,4% para o citalopram e 7,6% para o placebo).

Papel dos neurotransmissores monoaminérgicos (serotonina, noradrenalina e dopamina) no tratamento da ansiedade


Papel dos neurotransmissores monoaminérgicos (serotonina, noradrenalina e dopamina) no tratamento da ansiedade
Este artigo enfocará o conceito do transtorno de ansiedade generalizada e o papel dos neurotransmissores monoaminérgicos na fisiopatologia e no tratamento.
Dr. Chei Tung Teng
CRM-SP 65.297
Médico supervisor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP)
Coordenador do Serviço de Interconsultas do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP

O conceito psicopatológico da ansiedade é muito amplo, uma vez que pode incluir toda a gama de vivências associadas ao medo e a suas variações (da preocupação ao pavor), além dos sintomas fisiológicos da ativação autonômica (relacionada aos sintomas físicos típicos dos ataques de pânico), confundindo-se com os sintomas de angústia, em que predominam a dor/pressão no peito e insegurança inquieta1,2. Este artigo enfocará o conceito do transtorno de ansiedade generalizada (TAG) e o papel dos neurotransmissores monoaminérgicos na fisiopatologia e no tratamento.

TAG caracteriza-se pela presença de preocupações constantes na forma de expectativa apreensiva sobre possíveis eventos negativos, muitas vezes de forma exageradamente catastrófica, e por sintomas ansiosos persistentes, que podem variar ao longo das fases da vida, incluindo tensão, tremores, incapacidade para relaxar, fadiga e cefaleia; sintomas de ativação autonômica, como palpitações, sudorese, tontura, ondas de frio ou calor, falta de ar e urgência miccional, e sintomas de hipervigilância, como insônia, irritabilidade e dificuldade de concentração.

A prevalência ao longo da vida é estimada entre 2% e 6% e cerca de 3% em um período de 12 meses1. É importante ressaltar que TAG se associa intensamente aos transtornos de humor, precedendo o início de depressão maior e distimia em 30% dos casos e elevando o risco de suicídio em pacientes bipolares, além de apresentar risco aumentado de abuso e dependências de drogas e de diversas doenças clínicas, como dor crônica, enxaqueca e doenças gastrointestinais crônicas1. É uma condição crônica, e muitos pacientes não recebem tratamento adequado, mesmo sendo um grupo que utiliza muito os serviços de saúde, e está associada a altos custos sociais individuais, incluindo altos níveis de prejuízos e incapacitação,
semelhantes aos da depressão maior3,4.

Neurotransmissores monoaminérgicos na isiopatologia do transtorno de ansiedade eneralizada
Apesar do papel relevante do ácido gama-aminobutírico (GABA), que apresenta aumento da expressão de seu receptor e diminuição da sua produção nos pacientes com TAG, os neurotransmissores monoaminérgicos têm um papel de destaque na fisiopatologia do TAG.

A noradrenalina (NA) é um dos principais neurotransmissores associados a TAG, tanto por sua implicação na hiperativação autonômica (associada à ativação simpática) como pela resposta clínica a medicamentos noradrenérgicos1. Estímulos estressores aumentam a atividade noradrenérgica, e essa atividade se encontra elevada nos transtornos ansiosos, como TAG, transtorno do pânico e transtorno do estresse pós-traumático5.

A serotonina (5HT) é outro neurotransmissor monoaminérgico classicamente relacionado a TAG, com evidências de anormalidades nos receptores de 5HT1a em indivíduos com diferentes manifestações ansiosas, além de indicadores de produção de 5HT e maior atividade serotoninérgica. A ação da serotonina no TAG seria mista, facilitando a manifestação de sintomas gerais de ansiedade no curto prazo ao mesmo tempo que inibiria os sintomas de pânico1. A atuação do sistema serotoninérgico no hipocampo pode promover resistência ao estresse crônico mediante a atuação em receptores serotoninérgicos 5HT1a6.

A dopamina (DA) corresponde ao terceiro receptor monoaminérgico que possui menos evidências diretas relacionadas à fisiopatologia da ansiedade no TAG. Contudo, novos estudos mostram indícios da importância dos sistemas dopaminérgicos, tanto como possíveis moduladores do desenvolvimento do TAG como participantes dos processos fisiopatológicos e terapêuticos. Em estudos pré-clínicos, a ativação de neurônios da DA parece ser crucial ao desenvolvimento da capacidade de desenvolver o condicionamento aversivo, tendo um papel relevante na prevenção da ansiedade generalizada7.

O bloqueio de receptores de dopamina D3 poderia regular sintomas de ansiedade via ativação do sistema inibitório GABA8. Outro exemplo de estudo relacionando o sistema de DA à fisiopatologia da ansiedade seria a evidência de que o bloqueio dos receptores dopaminérgicos D2 facilitaria a extinção de comportamentos condicionados de medo, o que poderia ajudar no tratamento psicológico dos sintomas ansiosos de forma geral9.

Todos esses neurotransmissores estão relacionados à fisiopatologia da ansiedade de forma complexa e inter-relacionada, uma vez que os sintomas ansiosos são heterogêneos e diferenciados, de acordo com a enorme variedade de situações estressantes e geradoras de ansiedade que pode ocorrer naturalmente na vida de todos os indivíduos. Por exemplo, aumento da atividade serotoninérgica ao nível do striatum bloqueia de forma indireta a atividade dopaminérgica, podendo levar a sintomas extrapiramidais10.

Outro exemplo seria o efeito dos inibidores de recaptura de noradrenalina sobre a atividade da dopamina, aumentando sua liberação no córtex pré-frontal sem aumento concomitante no nucleus accumbens11. Portanto, pode-se concluir que ainda pouco se sabe sobre as principais relações entre os sistemas monoaminérgicos e a fisiopatologia da ansiedade, aumentando a importância dos estudos clínicos dos antidepressivos na compreensão do funcionamento desses sistemas nos sintomas ansiosos.


Antidepressivos no tratamento da ansiedade generalizada

Atualmente, os principais psicofármacos utilizados no tratamento da ansiedade generalizada são os antidepressivos inibidores seletivos de recaptura da serotonina (ISRSs), como sertralina, paroxetina, citalopram, escitalopram e fluoxetina, e os inibidores de recaptura da serotonina e noradrenalina (IRSNs), como venlafaxina e duloxetina1,5, principalmente pelas evidências de eficácia clínica no controle dos sintomas físicos e psíquicos da ansiedade e também pelo perfil benigno de efeitos adversos. Além disso, os antidepressivos não se relacionam ao risco de abuso e dependência como os benzodiazepínicos, e a frequente associação com

transtornos depressivos torna os antidepressivos a principal opção terapêutica eficaz para ambos os diagnósticos. Outras classes de medicações, além dos antidepressivos e dos benzodiazepínicos, podem ser utilizadas, como azapironas (buspirona), anti-histamínicos (hidroxizina), moduladores de canais de cálcio alfa-2-delta (pregabalina, gabapentina) e antipsicóticos atípicos3.

Uma metanálise mais recente e abrangente realizada por Baldwin et al.12 demonstrou que dentre as medicações de melhor evidência para eficácia (venlafaxina, tiagabina, sertralina, pregabalina, paroxetina, lorazepam, fluoxetina, escitalopram e duloxetina), não havia estudos suficientes de comparação entre medicamentos que permitissem consolidar conclusões adequadas. Os autores apresentaram resultados secundários com alguma sinalização para maior eficácia para a fluoxetina (em termos de remissão e resposta) e tolerabilidade para a sertralina. Em uma diretriz nacional britânica recentemente publicada pelo Instituto Nacional de Saúde e Excelência Clínica (National Institute of Health and Clinical Excellence [NICE])13, a medicação de primeira escolha seria a sertralina, pela melhor relação custo-eficácia, sendo seguida por outros ISRSs e IRSNs (venlafaxina e duloxetina).

Pelo que se pode observar no conjunto das melhores evidências disponíveis, não é possível comparar com confiabilidade mínima a eficácia entre os tratamentos disponíveis, em razão do número muito restrito de estudos adequados. Mesmo os poucos estudos realizados apresentam resultados de difícil interpretação. Um exemplo seria um estudo muito bem desenhado14, envolvendo escitalopram 10 a 20 mg/dia, venlafaxina 75 a 225 mg/dia e placebo, com amostras adequadas, em que a venlafaxina se mostrou estatisticamente mais eficaz que placebo, ao contrário do escitalopram, que não se diferenciou do placebo. Entretanto, nos parâmetros secundários, ambos foram eficazes, e o escitalopram foi significativamente mais bem tolerado que a venlafaxina. Curiosamente, esse estudo não foi incluído na metanálise de Baldwin et al.12.

Dessa forma, pelas evidências mais recentes, os medicamentos mais indicados ainda são os que aumentam a disponibilidade sináptica das principais monoaminas relacionadas à fisiopatologia da depressão. Entretanto, a ação desses antidepressivos no tratamento do TAG passa por mecanismos ainda incertos, tendo como exemplo dessa falta de conhecimento detalhado a diferença entre a necessidade de uso de doses maiores que o recomendado para a depressão, no caso da venlafaxina, e a necessidade frequente de aumentar a dose para atingir a remissão do quadro3.

Dada a heterogeneidade da apresentação clínica do TAG e da alta chance de comorbidade com outros transtornos ansiosos depressivos, o tratamento do TAG muitas vezes precisa ser abordado de forma individual, sendo muitas vezes necessário avaliar a necessidade de se usar medicamentos de melhor segurança e tolerabilidade, como a sertralina e o escitalopram, ou medicamentos de amplo espectro de ação monoaminérgica, como é o caso da venlafaxina, por ter ação nos três sistemas (noradrenérgico, serotoninérgico e dopaminérgico).

Mais estudos são necessários para entender melhor como os neurotransmissores serotonina, noradrenalina e dopamina participam da fisiopatologia do TAG e também para definir fatores clínicos que possam aumentar a precisão da indicação adequada de medicamentos eficazes para cada paciente individualmente.


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Desafios em SNC - Transtornos Ansiosos (Abril/2012)

Eficácia e segurança do citalopram no paciente adulto jovem com TOC


Eficácia e segurança do citalopram no paciente adulto jovem com TOC
O transtorno obsessivo compulsivo (TOC) é um transtorno frequente (afeta 2% da população), e seu início tende a ser na infância ou na adolescência.
Marcos T. Mercadante
Professor adjunto do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/EPM), Unidade de Psiquiatria da Infância e Adolescência (UPIA) do Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM CRM-SP 47.918

O transtorno obsessivo compulsivo (TOC) é um transtorno frequente (afeta 2% da população), e seu início tende a ser na infância ou na adolescência. Por vezes, não é fácil diagnosticar o TOC na infância, na adolescência e no adulto jovem, pois os sintomas ficam "em segredo". Frequentemente os sintomas são percebidos indiretamente, por exemplo, pelo surgimento de ferimentos nas mãos, pela lavagem excessiva, pelo aumento do tempo gasto no banheiro, pela diminuição da produtividade etc.  Entre as diversas hipóteses patofisiológicas, o desequilíbrio entre dois compartimentos estriatais (matriossoma e estriossoma) poderia ser o responsável pela desregulação dos circuitos corticoestriatais, responsáveis pela persistência das ideias obsessivas e pelos comportamentos compulsivos1.

É interessante que para o tratamento do TOC tem-se admitido que a modulação do sistema serotoninérgico é pré-requisito para uma resposta adequada, uma vez que drogas que atuam em outros sistemas como o noradrenérgico não demonstram a mesma eficácia2. Comercializado desde a década de 1990, o citalopram é o mais seletivo dos inibidores seletivos de recaptura de serotonina (ISRSs), que agem inibindo o transporte da serotonina (5-HT) na fenda sináptica. O citalopram, assim como os outros ISRSs, é considerado medicamento de primeira escolha para o TOC, sendo aconselhável pelo menos um ano a dois anos de tratamento medicamentoso3. Os resultados de alguns estudos duplo-cegos e controlados sugerem que o citalopram é seguro para ser utilizado em jovens4 e tão eficaz quanto a fluoxetina no controle dos sintomas obsessivos compulsivos5.

Entre os ISRSs, o citalopram tem o menor efeito sobre o sistema dopaminérgico e noradrenérgico e praticamente nenhum efeito sobre os receptores de acetilcolina, histamina, GABA etc. O citalopram é metabolizado por mais de uma enzima do sistema citocromo, o que diminui a chance de alterações em sua metabolização e resulta em um perfil de interação com outras drogas bastante seguro6. Além de ter um perfil seguro de interação, o citalopram mostra, também, um perfil seguro quanto à superdosagem. Existe apenas um caso de óbito após a ingestão de 3.900 mg de citalopram, quantidade suficiente para seis meses de tratamento. Vários são os relatos de casos com ingestão de cinco a cem vezes a dose recomendada, mas que foram tratados com segurança7. Essas duas características relacionadas ao metabolismo e a superdosagem são bastantes úteis quando a população-alvo é de jovens que tendem a ter um comportamento por vezes menos responsável e mais impulsivo.

No geral, o citalopram é bem tolerado, sendo os efeitos colaterais mais frequentes náusea, boca seca, sudorese e sonolência; apresentando menor impacto no ganho de peso e nos efeitos relativos à anorgasmia e retardo da ejaculação quando comparado a outros ISRSs. Dessa maneira, pode-se considerar o citalopram como mais uma opção para o arsenal terapêutico em jovens portadores do TOC.

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Os transtornos de ansiedade mais frequentes


Os transtornos de ansiedade mais frequentes
A ansiedade é uma reação adaptativa a situações estressoras, envolvendo hiperatividade cognitiva e autonômica, com aumento da vigilância, do aprendizado e da reatividade.
Dra. Naylora Troster Médica Psiquiatra pela ABP (TEP); Membro Internacional da Associação Americana de Psiquiatria (APA)

A ansiedade é uma reação adaptativa a situações estressoras, envolvendo hiperatividade cognitiva e autonômica, com aumento da vigilância, do aprendizado e da reatividade. A ansiedade em resposta ao estresse é autolimitada em indivíduos saudáveis, mas exagerada e prolongada em indivíduos com transtornos de ansiedade1.

Os transtornos de ansiedade, incluindo o transtorno de pânico, o transtorno de ansiedade generalizada (TAG), a fobia social, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e o transtorno de estresse pós-traumático, são os distúrbios mentais mais freqüentes, com prevalência ao longo da vida estimada em 28,8% e prevalência em 12 meses de 18,8% na população geral. Dados de vários estudos epidemiológicos demonstram que as mulheres, em comparação aos homens, apresentam risco significativamente maior para o desenvolvimento de transtornos de ansiedade ao longo da vida, com maior gravidade de sintomas, maior cronicidade e maior prejuízo funcional2. Para dar idéia, a freqüência de pânico com agorafobia é duas a três vezes maior (7,7% vs. 2,9%) entre elas; a de TAG (6,6% vs. 3,6%), fobias simples (13,9% vs. 7,2%) e transtorno de estresse pós-traumático é cerca de duas vezes maior no sexo feminino (12,5% vs. 6,2%). As prováveis causas dessa diferença são fatores genéticos e a influência exercida pelos hormônios sexuais femininos2,3.

O transtorno de pânico é caracterizado por ataques recorrentes, acompanhados de sintomas somáticos que incluem dispnéia, palpitações, desconforto precordial, tremor, hiperventilação e parestesias, por no mínimo um mês, seguidos de preocupação persistente com a possibilidade de novas crises. O transtorno de pânico pode ou não ser acompanhado de agorafobia - medo ou esquiva de lugares/situações de onde possa ser difícil escapar 2,3.

O TAG envolve preocupação e apreensão excessivas e persistentes, por no mínimo seis meses, com uma série de eventos e atividades. Sintomas relacionados incluem inquietação, irritabilidade, cansaço fácil, dificuldade de concentração, tensão muscular e/ou alterações de sono2,3.

A fobia social manifesta-se como medo persistente e acentuado de uma ou mais situações sociais de exposição a pessoas estranhas ou ao possível escrutínio de outras pessoas, com esquiva ou evitação das situações temidas2,3.

O TOC caracteriza-se por obsessões recorrentes - imagens ou pensamentos egodistônicos (ansiogênicos), irracionais ou sem significado - e compulsões, definidas como comportamentos repetitivos, difíceis de controlar, adotados pelo paciente na tentativa de reduzir a ansiedade2,3.

O transtorno de estresse pós-traumático é uma reação a uma experiência traumática, de natureza ameaçadora ou catastrófica, caracterizada pela persistente reminiscência do trauma, na forma de memórias intrusas (flash-backs) ou sonhos, sensação de entorpecimento ou embotamento emocional, isolamento social, anedonia (perda de prazer) e esquiva de atividades e situações que recordem a experiência3.

Estudos futuros poderão elucidar a base neurobiológica para as diferenças epidemiológicas e clínicas da ansiedade entre homens e mulheres.


Referências bibliográficas

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Transtorno do pânico e depressão


Transtorno do pânico e depressão
Em medicina, diagnosticar é reconhecer a natureza de um transtorno ou uma enfermidade por meio de sintomas, sinais, origem, evolução ou outras características diferenciáveis.
Antonio Egidio NardiLivre-docente e professor-associado do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB-UFRJ) CRM 5243048-6

Introdução
Em medicina, diagnosticar é reconhecer a natureza de um transtorno ou uma enfermidade por meio de sintomas, sinais, origem, evolução ou outras características diferenciáveis. Toda a classificação é um dado de conhecimento, sensível à visão de mundo de quem a elabora. Sofre influências de vários fatores subjetivos e objetivos. Não é um resultado apenas técnico nem apenas científico ou unicamente um instrumento político; é tudo isso junto. Cabe a quem classifi ca saber de sua utilidade e seus limites.

As classificações atualmente utilizadas (CID-10 e DSM-IV-TR) são elaboradas com base no modelo médico que adota o paradigma neokraepeliniano. Essas classificações aumentaram a "cobertura diagnóstica", passando a incluir maior número de categorias antes inexistentes. Quanto mais aumentamos a variedade de transtornos incluídos em um sistema diagnóstico, maior é a probabilidade de um paciente satisfazer critérios para múltiplos transtornos e apresentar-se com uma comorbidade. A classifi cação é feita em bases descritivas, isto é, a partir da presença de uma sín-drome e não em bases etiológicas. Portanto, os critérios devem ser utilizados apenas como diretrizes diagnósticas e não devem superar o julgamento clínico.

TRANSTORNO DO PÂNICO
Goisman et al. (1995)1 observaram que o transtorno do pânico (TP), com ou sem agorafobia, coexiste com pelo menos outro transtorno de ansiedade em 37% dos casos. Klerman et al. (1991)2 observaram que 33% dos 254 indivíduos com TP tinham agorafobia comórbida e 72%, agorafobia, depressão maior, abuso de álcool ou drogas em associação comórbida. Johnson et al. (1990)3 notaram, com base no Epidemiological Catchment Area (ECA), que mais de dois terços dos indivíduos com TP durante a vida preencheram critérios diagnósticos para mais de um dos dez outros diagnósticos psiquiátricos pesquisados. Cassano et al. (1999)4 relataram que 70% dos 302 pacientes com diagnóstico atual de TP, segundo o DSM-III-R, também apresentaram pelo menos um dos sete outros diagnósticos adicionais pesquisados, dos quais o transtorno de ansiedade generalizada foi o mais comum.

Os dados, contudo, não devem ser utilizados para sustentar uma relação causal. Há controvérsia se essa depressão comórbida representa uma depressão "verdadeira" ou uma forma de depressão reativa ou de desmoralização. É possível que, ao se fazer um diagnóstico concomitante de TP, se identifi que um subgrupo de pacientes com TP que apresentem determinados traços de personalidade, tais como: baixa auto-estima, extrema autoconsciência e tendência para auto-avaliação negativa. Tal subgrupo poderia ser considerado em risco para a depressão, tendo em vista os fatores psicológicos, particularmente cognitivos. Além disso, o isolamento social experimentado em conseqüência à agorafobia poderia contribuir para uma propensão em tornar-se deprimido. No tratamento de pacientes com TP em associação com depressão, deve-se utilizar preferencialmente um inibidor seletivo da recaptação de serotonina (ISRS). Os ISRSs têm demonstrado eficácia em ambos os transtornos, associada à boa tolerabilidade.

Depressão
O National Comorbidity Survey (NCS) mostrou que os transtornos de ansiedade e depressão coocorrem com grande freqüência, e a grande parte dos casos de depressão é secundária a um transtorno de ansiedade (67,9%), especialmente TP. Há relatos de que 35% a 91% dos pacientes com TP também apresentam um episódio depressivo no decorrer da vida. Roy-Byrne et al. (2000)5 encontraram freqüência elevada da associação TP e depressão maior na população geral com base em dados colhidos no NCS. Essa comorbidade foi associada com maior gravidade e persistência dos sintomas, comprometimento funcional, busca de ajuda e comportamento suicida. Um dos achados clínicos mais consistentes encontrados nos pacientes com TP e depressão, em comparação com pacientes com os dois transtornos isoladamente, tem sido as maiores taxas de ideação suicida e tentativas de suicídio. No estudo de Zürich (1990)6, 30% dos pacientes com tal comorbidade já haviam tentado o suicídio aos 28 anos.

Em outro estudo de seguimento por dez anos de 954 pacientes com depressão maior, Fawcett (1992)7 observou que a presença de ataques de pânico foi um dos fatores que predisseram suicídio durante o primeiro ano de maneira mais consistente.

Coryell et al. (1988)8 observaram que os pacientes deprimidos com ataques de pânico apresentaram sintomas depressivos mais graves do que pacientes com depressão, mas sem TP durante os últimos seis meses de um seguimento de dois anos. Além disso, pacientes deprimidos com ataques de pânico e pacientes com TP e depressão maior secundária tiveram menores taxas de recuperação no período de seguimento do que aqueles com depressão isoladamente. Também foi observado que pacientes com TP e depressão secundária apresentaram maior comprometimento do desempenho no trabalho do que pacientes nos dois outros grupos. Os dados de maior gravidade, incapacidade e cronicidade da doença entre os pacientes com TP e depressão comórbidos foram também demonstrados por outros grupos.

No estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)9, em 1993, com 25.916 pacientes atendidos em rede de atenção primária à saúde em 14 países, observou-se que a comorbidade psiquiátrica foi comum, com 9,5% dos pacientes apresentando dois ou mais diagnósticos, de acordo com o CID-10. Foram encontrados altos índices de transtornos ansiosos (10,2%) e depressivos (11,7%). Além disso, a coocorrência desses transtornos foi particularmente grande (4,6%). A associação entre depressão e transtornos de ansiedade, incluindo o TP, foi mais forte do que entre os próprios transtornos de ansiedade. Por exemplo, a chance de os pacientes deprimidos apresentarem TP comórbido foi 12 vezes maior do que o esperado, nos pacientes com transtorno de ansiedade generalizada foi sete vezes maior. Pacientes com ataques de pânico atuais ou prévios também apresentaram alta comorbidade com outros transtornos psiquiátricos, em vez de um diagnóstico de TP. De um total de 227 pacientes, 138 tinham diagnóstico de TP com ou sem agorafobia, 61, diagnóstico de outro transtorno (por exemplo, depressão ou transtorno de ansiedade generalizada), e 26, sintomas psiquiátricos subliminares. Somente dois pacientes não apresentaram diagnóstico psiquiátrico ou sintomas subliminares. Donald Klein (1993)10 criou o conceito de síndrome de desmoralização, de difícil validação, mas clinicamente útil, sugerindo que, em boa parte dos casos de TP, as depressões não são doenças depressivas e sim conseqüências psicológicas compreensíveis em razão do sofrimento e da incapacitação impostos pelo transtorno de ansiedade.

Faltariam nesses quadros de desmoralização as características endogenomórfi cas, como:anedonia, retardo psicomotor, variação circadiana, insônia terminal. O clínico pode e deve tentar diagnosticar o tipo de depressão que seu paciente com TP apresenta. Se for uma síndrome de desmoralização, serão proeminentes as características como baixa auto-estima, dependência, sentimentos de incapacidade, excesso de culpa, irritabilidade e explosões emocionais. Algumas diferenças em termos de resposta ao tratamento foram encontradas entre o grupo de pacientes com depressão e TP comórbidos e o grupo dos pacientes com apenas um transtorno isoladamente. Entre os pacientes com depressão maior hospitalizados, Grunhaus et al. (1994)11 observaram que aqueles com TP respondiam pior ao tratamento farmacológico. Após três semanas de tratamento, somente 15% dos pacientes com a comorbidade demonstraram redução significativa dos sintomas, em comparação com 50% daqueles com depressão maior isoladamente.

A escolha de um antidepressivo com melhor perfil de efeitos colaterais, tais como os ISRSs, é um caminho para evitarem-se sensações físicas semelhantes ao pânico, aumentando as chances de adesão ao tratamento desses pacientes e diminuindo o risco de suicídio. A sertralina como opção eficaz e segura para o tratamento da depressão associada ao transtorno do pânico Desde sua introdução na prática clínica, os ISRSs tornaram-se os medicamentos mais amplamente utilizados nas diferentes formas de depressão e de transtornos de ansiedade. Diferentemente do que se pensava inicialmente, os ISRSs têm mecanismos de ação bem diferenciados, o que se traduz em um perfi l de efeitos adversos variados e diferentes interações medicamentosas. A sertralina é um antidepressivo do grupo dos ISRSs. É bem absorvida por via oral, atingindo o pico de concentração plasmática entre 6 e 8 horas após a ingestão. Liga-se a proteínas plasmáticas (98%). É metabolizada no fígado, gerando a desmetilsertralina, um metabólito ativo. A inibição do CYP450 é mínima, pouco interferindo no metabolismo de outras drogas que utilizam a mesma via de metabolização: antidepressivos tricíclicos, fenotiazinas, carbamazepina etc. A sertralina e seu metabólito, a desmetilsertralina, são inibidores fracos de 2C9, 2C19, e 3A4, responsáveis por relatos de casos isolados de aumento de concentrações de fenitoína, varfarina e ciclosporina.

A sertralina ainda pode aumentar levemente a concentração  máxima de diazepam e de pimozida. A sertralina inibe a glicuronidação e resulta em concentrações tóxicas de lamotrigina. A sertralina e seu metabólito são vulneráveis a drogas como a carba mazepina e a fenitoína. A farmacocinética da sertralina é linear nas doses entre 50 e 200 mg/dia. Sua meia-vida está em torno de 24 horas. O tratamento deve ser iniciado com dose de 50 mg/dia em dose única diária. A dose terapêutica fica em geral em torno de 100 mg/dia, mas podem- se utilizar até 200 mg/dia. A suspensão da droga deve ser gradual para evitar que ocorram sintomas de retirada, como tonturas, náuseas e perturbações do sono, entre outros.

Aconselha-se a retirar 50 mg/semana. Os efeitos adversos mais comuns da sertralina são: boca seca, náusea, diarréia, fezes amolecidas, sonolência e tremores. A única contra-indicação absoluta é a associação aos antidepressivos inibidores da monoaminoxidase (IMAOs). O tratamento da depressão e dos transtornos de ansiedade pode envolver o uso de associações de medicamentos, como antidepressivos, ansiolíticos e es- tabilizadores do humor. Além disso, os pacientes acometidos por transtornos do humor ou de ansiedade permane- cem sob risco de desenvolver enfermi- dades clínicas que exigirão tratamento medicamentoso agudo ou crônico. É extremamente comum que pacientes em uso de antidepressivos, ansiolíticos e estabilizadores do humor recebam prescrições de outros medicamentos. As interações medicamentosas mais estudadas são as causadas pela ação das drogas sobre as enzimas do sistema P-450. O interesse por esse assunto foi exponencialmente aumentado a partir de uma interação medicamentosa que envolveu dois antidepressivos: em 1988, um grupo de pesquisadores norte-americanos inferiu que teoricamente a adição da desipramina à fluoxetina seria capaz de gerar um composto com potenciais benefícios terapêuticos. Na prática, a associação revelou-se um fracasso. A explicação foi que a desipramina é metabolizada principalmente pela via 2D6, inibida pela fluoxetina. A administração simultânea dos dois fármacos, portanto, leva à acumulação da desipramina.

Para a melhor compreensão das interações medicamentosas, devemos entender o sistema P-450 como enzimas com o papel natural de metabolizar tanto compostos endógenos quanto provenientes do meio ambiente. O papel dos medicamentos com relação a essas enzimas pode ser de substratos, quando simplesmente utilizam uma enzima específica como via de metabolização; inibidores, quando diminuem a efi ciência da enzima; e indutores, quando aumentam a efi ciência da enzima. As drogas podem ser inibidoras ou indutoras de vias das quais não são substratos e podem também utilizar mais de uma via para sua metabolização. As principais enzimas do sistema P-450 na espécie humana são 2D6 e 3A4, que respondem por cerca de 80% da metabolização de fármacos.

Outras formas importantes são 1A2, 2E1 e 2C19.
Existe uma considerável variabilidade interindividual e entre grupos étnicos quanto à efi ciência dessas enzimas. Na tabela 1, citam-se as principais características de interação medicamentosa dos antidepressivos ISRSs. Apresentam-se as enzimas do citocromo P-450 em que os ISRSs são metabolizados e inibem o metabolismo de enzimas.

Relacionamos ainda as características farmacológicas dos ISRSs e as principais interações da sertralina. Os ISRSs são extremamente diferentes entre si quanto à infl uência sobre as enzimas do sistema P-450 e à propensão a interações medicamentosas. Ao prescrevermos antidepressivos, ansiolíticos e estabilizadores do humor, devemos estar atentos à possibilidade de interações medicamentosas. Na maioria absoluta dos casos, os pacientes que recebem as prescrições serão genotípica e fenotipicamente normais e metabolizarão as drogas adequadamente. Em situações especiais, de polimedicação e perda ou aumento da eficiência dos sistemas enzimáticos, os problemas podem ocorrer. Conhecer o conceito e as principais alterações permite contornar o problema sem superestimá-lo ou subestimá-lo.

Conclusão
O TP está freqüentemente associado a outros transtornos mentais, principalmente depressão e transtornos de ansiedade (fobia social e transtorno de ansiedade generalizada), e abuso de drogas (álcool e benzodiazepínicos). Essas comorbidades podem dificultar o diagnóstico, influenciar o tratamento e o prognóstico e até mesmo aumentar o risco de suicídio. A comorbidade TP e depressão exige atenção especial já que se comprovou que tal associação é freqüente, difi culta o tratamento e aumenta o risco de suicídio. A sertralina, um antidepressivo ISRS, é uma opção eficaz, compoucos efeitos colaterais, e segura nas interações medicamentosas em pacientes com a comorbidade TP e depressão




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