Friday, September 21, 2012

Papel dos neurotransmissores monoaminérgicos (serotonina, noradrenalina e dopamina) no tratamento da ansiedade


Papel dos neurotransmissores monoaminérgicos (serotonina, noradrenalina e dopamina) no tratamento da ansiedade
Este artigo enfocará o conceito do transtorno de ansiedade generalizada e o papel dos neurotransmissores monoaminérgicos na fisiopatologia e no tratamento.
Dr. Chei Tung Teng
CRM-SP 65.297
Médico supervisor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP)
Coordenador do Serviço de Interconsultas do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP

O conceito psicopatológico da ansiedade é muito amplo, uma vez que pode incluir toda a gama de vivências associadas ao medo e a suas variações (da preocupação ao pavor), além dos sintomas fisiológicos da ativação autonômica (relacionada aos sintomas físicos típicos dos ataques de pânico), confundindo-se com os sintomas de angústia, em que predominam a dor/pressão no peito e insegurança inquieta1,2. Este artigo enfocará o conceito do transtorno de ansiedade generalizada (TAG) e o papel dos neurotransmissores monoaminérgicos na fisiopatologia e no tratamento.

TAG caracteriza-se pela presença de preocupações constantes na forma de expectativa apreensiva sobre possíveis eventos negativos, muitas vezes de forma exageradamente catastrófica, e por sintomas ansiosos persistentes, que podem variar ao longo das fases da vida, incluindo tensão, tremores, incapacidade para relaxar, fadiga e cefaleia; sintomas de ativação autonômica, como palpitações, sudorese, tontura, ondas de frio ou calor, falta de ar e urgência miccional, e sintomas de hipervigilância, como insônia, irritabilidade e dificuldade de concentração.

A prevalência ao longo da vida é estimada entre 2% e 6% e cerca de 3% em um período de 12 meses1. É importante ressaltar que TAG se associa intensamente aos transtornos de humor, precedendo o início de depressão maior e distimia em 30% dos casos e elevando o risco de suicídio em pacientes bipolares, além de apresentar risco aumentado de abuso e dependências de drogas e de diversas doenças clínicas, como dor crônica, enxaqueca e doenças gastrointestinais crônicas1. É uma condição crônica, e muitos pacientes não recebem tratamento adequado, mesmo sendo um grupo que utiliza muito os serviços de saúde, e está associada a altos custos sociais individuais, incluindo altos níveis de prejuízos e incapacitação,
semelhantes aos da depressão maior3,4.

Neurotransmissores monoaminérgicos na isiopatologia do transtorno de ansiedade eneralizada
Apesar do papel relevante do ácido gama-aminobutírico (GABA), que apresenta aumento da expressão de seu receptor e diminuição da sua produção nos pacientes com TAG, os neurotransmissores monoaminérgicos têm um papel de destaque na fisiopatologia do TAG.

A noradrenalina (NA) é um dos principais neurotransmissores associados a TAG, tanto por sua implicação na hiperativação autonômica (associada à ativação simpática) como pela resposta clínica a medicamentos noradrenérgicos1. Estímulos estressores aumentam a atividade noradrenérgica, e essa atividade se encontra elevada nos transtornos ansiosos, como TAG, transtorno do pânico e transtorno do estresse pós-traumático5.

A serotonina (5HT) é outro neurotransmissor monoaminérgico classicamente relacionado a TAG, com evidências de anormalidades nos receptores de 5HT1a em indivíduos com diferentes manifestações ansiosas, além de indicadores de produção de 5HT e maior atividade serotoninérgica. A ação da serotonina no TAG seria mista, facilitando a manifestação de sintomas gerais de ansiedade no curto prazo ao mesmo tempo que inibiria os sintomas de pânico1. A atuação do sistema serotoninérgico no hipocampo pode promover resistência ao estresse crônico mediante a atuação em receptores serotoninérgicos 5HT1a6.

A dopamina (DA) corresponde ao terceiro receptor monoaminérgico que possui menos evidências diretas relacionadas à fisiopatologia da ansiedade no TAG. Contudo, novos estudos mostram indícios da importância dos sistemas dopaminérgicos, tanto como possíveis moduladores do desenvolvimento do TAG como participantes dos processos fisiopatológicos e terapêuticos. Em estudos pré-clínicos, a ativação de neurônios da DA parece ser crucial ao desenvolvimento da capacidade de desenvolver o condicionamento aversivo, tendo um papel relevante na prevenção da ansiedade generalizada7.

O bloqueio de receptores de dopamina D3 poderia regular sintomas de ansiedade via ativação do sistema inibitório GABA8. Outro exemplo de estudo relacionando o sistema de DA à fisiopatologia da ansiedade seria a evidência de que o bloqueio dos receptores dopaminérgicos D2 facilitaria a extinção de comportamentos condicionados de medo, o que poderia ajudar no tratamento psicológico dos sintomas ansiosos de forma geral9.

Todos esses neurotransmissores estão relacionados à fisiopatologia da ansiedade de forma complexa e inter-relacionada, uma vez que os sintomas ansiosos são heterogêneos e diferenciados, de acordo com a enorme variedade de situações estressantes e geradoras de ansiedade que pode ocorrer naturalmente na vida de todos os indivíduos. Por exemplo, aumento da atividade serotoninérgica ao nível do striatum bloqueia de forma indireta a atividade dopaminérgica, podendo levar a sintomas extrapiramidais10.

Outro exemplo seria o efeito dos inibidores de recaptura de noradrenalina sobre a atividade da dopamina, aumentando sua liberação no córtex pré-frontal sem aumento concomitante no nucleus accumbens11. Portanto, pode-se concluir que ainda pouco se sabe sobre as principais relações entre os sistemas monoaminérgicos e a fisiopatologia da ansiedade, aumentando a importância dos estudos clínicos dos antidepressivos na compreensão do funcionamento desses sistemas nos sintomas ansiosos.


Antidepressivos no tratamento da ansiedade generalizada

Atualmente, os principais psicofármacos utilizados no tratamento da ansiedade generalizada são os antidepressivos inibidores seletivos de recaptura da serotonina (ISRSs), como sertralina, paroxetina, citalopram, escitalopram e fluoxetina, e os inibidores de recaptura da serotonina e noradrenalina (IRSNs), como venlafaxina e duloxetina1,5, principalmente pelas evidências de eficácia clínica no controle dos sintomas físicos e psíquicos da ansiedade e também pelo perfil benigno de efeitos adversos. Além disso, os antidepressivos não se relacionam ao risco de abuso e dependência como os benzodiazepínicos, e a frequente associação com

transtornos depressivos torna os antidepressivos a principal opção terapêutica eficaz para ambos os diagnósticos. Outras classes de medicações, além dos antidepressivos e dos benzodiazepínicos, podem ser utilizadas, como azapironas (buspirona), anti-histamínicos (hidroxizina), moduladores de canais de cálcio alfa-2-delta (pregabalina, gabapentina) e antipsicóticos atípicos3.

Uma metanálise mais recente e abrangente realizada por Baldwin et al.12 demonstrou que dentre as medicações de melhor evidência para eficácia (venlafaxina, tiagabina, sertralina, pregabalina, paroxetina, lorazepam, fluoxetina, escitalopram e duloxetina), não havia estudos suficientes de comparação entre medicamentos que permitissem consolidar conclusões adequadas. Os autores apresentaram resultados secundários com alguma sinalização para maior eficácia para a fluoxetina (em termos de remissão e resposta) e tolerabilidade para a sertralina. Em uma diretriz nacional britânica recentemente publicada pelo Instituto Nacional de Saúde e Excelência Clínica (National Institute of Health and Clinical Excellence [NICE])13, a medicação de primeira escolha seria a sertralina, pela melhor relação custo-eficácia, sendo seguida por outros ISRSs e IRSNs (venlafaxina e duloxetina).

Pelo que se pode observar no conjunto das melhores evidências disponíveis, não é possível comparar com confiabilidade mínima a eficácia entre os tratamentos disponíveis, em razão do número muito restrito de estudos adequados. Mesmo os poucos estudos realizados apresentam resultados de difícil interpretação. Um exemplo seria um estudo muito bem desenhado14, envolvendo escitalopram 10 a 20 mg/dia, venlafaxina 75 a 225 mg/dia e placebo, com amostras adequadas, em que a venlafaxina se mostrou estatisticamente mais eficaz que placebo, ao contrário do escitalopram, que não se diferenciou do placebo. Entretanto, nos parâmetros secundários, ambos foram eficazes, e o escitalopram foi significativamente mais bem tolerado que a venlafaxina. Curiosamente, esse estudo não foi incluído na metanálise de Baldwin et al.12.

Dessa forma, pelas evidências mais recentes, os medicamentos mais indicados ainda são os que aumentam a disponibilidade sináptica das principais monoaminas relacionadas à fisiopatologia da depressão. Entretanto, a ação desses antidepressivos no tratamento do TAG passa por mecanismos ainda incertos, tendo como exemplo dessa falta de conhecimento detalhado a diferença entre a necessidade de uso de doses maiores que o recomendado para a depressão, no caso da venlafaxina, e a necessidade frequente de aumentar a dose para atingir a remissão do quadro3.

Dada a heterogeneidade da apresentação clínica do TAG e da alta chance de comorbidade com outros transtornos ansiosos depressivos, o tratamento do TAG muitas vezes precisa ser abordado de forma individual, sendo muitas vezes necessário avaliar a necessidade de se usar medicamentos de melhor segurança e tolerabilidade, como a sertralina e o escitalopram, ou medicamentos de amplo espectro de ação monoaminérgica, como é o caso da venlafaxina, por ter ação nos três sistemas (noradrenérgico, serotoninérgico e dopaminérgico).

Mais estudos são necessários para entender melhor como os neurotransmissores serotonina, noradrenalina e dopamina participam da fisiopatologia do TAG e também para definir fatores clínicos que possam aumentar a precisão da indicação adequada de medicamentos eficazes para cada paciente individualmente.


Referências bibliográficas

1. Ramos RT. Transtorno de ansiedade generalizada. In: Miguel EC, Gentil V, Gattaz WF. Clínica psiquiátrica. Vol. 1. Barueri: Manole; 2011. p. 795-806.

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3. Davidson JR. First-line pharmacotherapy approaches for generalized anxiety disorder. J Clin Psychiatry. 2009;70(suppl. 2):25-31.

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7. Zweifel LS, Fadok JP, Argilli E, Garelick MG, Jones GL, Dickerson TM, et al. Activation of dopamine neurons is critical for aversive conditioning and prevention of generalized anxiety. Nat Neurosci. 2011 May;14(5):620-6. Epub 2011 Apr 17.

8. Diaz MR, Chappell AM, Christian DT, Anderson NJ, McCool BA. Dopamine D3-like receptors modulate anxiety- ike behavior and regulate GABAergic transmission in the rat lateral/basolateral amygdala. Neuropsychopharmacology. 2011 Apr;36(5):1090-103.

9. Ponnusamy R, Nissim HA, Barad M. Systemic blockade of D2-like dopamine receptors facilitates extinction of conditioned fear in mice. Learn Mem. 2005 Jul-Aug;12(4):399-406.

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12. Baldwin D, Woods R, Lawson R, Taylor D. Efficacy of drug treatments for generalised anxiety disorder: systematic review and meta-analysis. BMJ. 2011 Mar 11;342:d1199. doi: 10.1136/bmj.d1199.

13. Kendall T, Cape J, Chan M, Taylor C; Guideline Development Group. Management of generalised anxiety disorder in adults: summary of NICE guidance. BMJ. 2011 Jan 26;342:c7460. doi: 10.1136/bmj.c7460.

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Desafios em SNC - Transtornos Ansiosos (Abril/2012)

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